“South by WHAT?” Foi a indagação de um amigo que estava voltando de Dallas para São Paulo no mesmo voo que eu.
Claro, estufei o peito e disse: “S O U T H B Y S O U T H W E S T, ou como os brasileiros gostam de falar, SXSW.” Como a cara de interrogação continuou, e eu só consigo manter minha pose por um curto período de tempo, contei que era um festival de música, filme e principalmente inovação, focado em tendências emergentes de tecnologia, que acontece desde 1987. Abaixei a guarda e disse que eu mesma só fui escutar sobre o evento em 2017 e que “finalmente”, esse ano, decidi conferir. Eu e mais 1500 brasileiros, de acordo com as estatísticas whatsappianas.
A experiência é pra lá de envolvente. Assistir à futurista Amy Webb ao vivo sobre as principais tendências e seus possíveis cenários, é de arrepiar. Ter a oportunidade de escutar Mike Krieger e Kevin Systrom, co-fundadores do Instagram, é outro privilégio. Mas talvez ver a exposição de uma impressora de sushi pode fazer com que você questione a visita. Brincadeiras à parte, essa é uma conferência que vale a visita para os entusiastas do tema, pelo menos uma vez na vida.
As chamadas para inovações tecnológicas, no entanto, não impressionam. Na verdade beiram o tédio uma vez que hoje temos acesso às novidades desse tipo quase que em tempo real.
O que realmente chama a atenção é ter Brene Brown abrindo o evento, sendo ovacionada quando fala sobre o real pertencimento de uma pessoa e como é importante que nos mantenhamos íntegros na nossa relação conosco e com o outro. Ou ainda, a psicóloga Esther Perel falando sobre a correlação de performance com as relações no trabalho e brincando com a necessidade de um CRO (Chief Relationship Officer) nas empresas.
Chamam a atenção os inúmeros painéis políticos, muito povoados pela esquerda norte-americana e absolutamente lotados. Encanta ver Howard Schultz falando sobre capitalismo consciente e sua possível candidatura à presidência dos EUA e se sair muito bem nas respostas ao entrevistador, Dylan Byers, que tenta amassá-lo em relação às chances reais de uma candidatura independente em um país polarizado. Alguém esqueceu de avisá-lo que o SXSW é um evento que estimula o empreendedorismo, mudanças e quebra de paradigmas!
Outro painel impactante foi do Roger McNamee, ex-mentor de Mark Zuckerberg, gritando por uma nova visão para o uso de dados pelas grandes empresas (Google, Amazon e Facebook) e apoiando a visão de Elizabeth Warren e de tantos outros, de que o poder dessas grandes empresas machuca as pequenas e inibe a inovaçãode maneirarelevante. Ela escreveu sobre isso recentemente, em um artigo interessante e polêmico https://medium.com/@teamwarren/heres-how-we-can-break-up-big-tech-9ad9e0da324c_). Mc Namee ainda chama a atenção para idiossincrasia e incoerência da sociedade e reguladores americanos (também aplicável para o Brasil) em relação à complacência com essas empresas.
Nas palavras dele: “I want to clear space for startups, for innovation, for alternative business model” e ainda “(…) Why is it legal for cellular companies to sell our location? Why is it legal for companies that make apps for health and wellness to sell or trade our health and wellness day? Why is it legal for anybody on the web to transact in our web history? Why is it legal for any way to even collect data on kids under 18?” Em síntese ele questiona como ainda é permitido, legalmente, que as empresas acessem e vendam nossos dados de maneira tão abrangente, incluindo os dados dos menores de 18 anos. Não é um debate novo, mas na visão dele, pouquíssimo tem sido feito a respeito.
Para além das polêmicas rolaram várias palestras sobre futuro do trabalho, varejo, saúde, blockchain, AI, exploração espacial e marinha, alimentação e formas de produção, indústria, design e diversos outros temas incluindo uma interessantíssima com Michael Pollan sobre estudos científicos do benefício de uso de psicodélicos em tratamentos psiquiátricos, como alcoolismo, por exemplo.
Termino, porém, contando da minha última palestra, com Chip Conley, cujo tema era “a economia digital não é apenas para os jovens”. Durante uma hora, com a sala cheia, ele falou da importância da troca entre empresários mais velhos – e de acordo com ele, se você tem 40 anos e está numa sala com vários garotos de 20 anos, não se engane, você é o idoso – com os “moleques brilhantes da tecnologia”, numa espécie de mentoria de mão dupla.
Ele atenta ao poder da combinação da curiosidade com sabedoria acumulada dos “velhos atuais”, reciclando o conceito de “knowledge worker” (trabalhadores do conhecimento) de Peter Drucker, para “wisdom workers” (trabalhadores da sabedoria), contrapondo que “o conhecimento está no google” e que o que importa hoje é a capacidade de reconhecer os padrões que nos ajudam a criar uma visão e compreensão holística de situações e a proporcionar soluções sistêmicas. E isso, os mais experientes tem de sobra.
Cheguei em Austin esperando uma experiência estilo Jetsons, mas posso dizer que ao invés de ir às palestras de uber voador, acabei tomando um cafezinho sincero com a Judy e ganhando uma carinhosa lambida do Astro. A perspectiva humana falou mais alto no SXSW 2019. Discutimos nossas relações pessoais, políticas, profissionais, e claro, a nossa relação com a tecnologia. São os novos velhos desafios!