Quando uma amiga recebeu uma entrega da Rappi, me chamou atenção a embalagem super descolada e customizada do próprio serviço. Questionei de onde era o seu pedido, e ela rapidamente respondeu: “Não tenho ideia, queria comida japonesa, percorri as opções disponíveis e escolhi uma delas”. O nome do restaurante estava na embalagem, de uma forma bem sutil que quase nem notei. Quem ganhou a cena foi mesmo a linda caixinha da Rappi. E, para completar, chegou numa sacola que dizia “seu supermercado online em 35 minutos”, divulgando seu serviço para supermercados.
Os super apps (ou “delivery de tudo”), que resolvem nossas vidas com milhões de funcionalidades num mesmo aplicativo, me fez gerar uma reflexão: como vamos diferenciar as marcas dentro desse novo ecossistema? Como as marcas poderão usufruir desses novos canais de venda, porém, preservando seus diferenciais e sua base de clientes?
Os aplicativos próprios das empresas sempre foram ferramentas fortíssimas de fidelização e, consequentemente, de conhecimento do comportamento de seus clientes. Quando começamos a ver um crescimento absurdo desses sistemas integrados, em função de uma lacuna enorme deixada pelas próprias marcas, vemos a divisão dessas bases de clientes. A confiança do consumidor começa a ser mais na plataforma, que atende às suas necessidades de conveniência, do que necessariamente na marca que está de fato servindo.
A grande referência desse movimento é o WeChat na China (com mais de 1 bilhão de usuários) e, seguindo a tendência, a rede de supermercado Pão de Açúcar adquiriu recentemente o James, plataforma de serviços “entrega tudo”. A Magazine Luiza já anunciou que está em seus planos criar o seu super aplicativo próprio para não ficar fora desse jogo. E, nessa guerra de inovações digitais na corrida por otimizar o tempo das pessoas, fazer parcerias com esse tipo de serviço parece ser uma saída rápida e eficiente para ampliar canais.
Para quem ainda não tinha um e-commerce próprio, é uma oportunidade de começar a vender online. Porém, sob a ótica de construção de valor de marca e de engajamento com a sua base de clientes, vale refletirmos alguns desafios do sistema:
1) Seus clientes serão direcionados para uma plataforma terceira, com milhões de outras opções similares;
2) Os super apps vão ficando cada vez mais inteligentes com toda base comportamental dos usuários, e tendo a oportunidade de poder fazer uma curadoria ou filtro de marcas para os usuários em sua plataforma (obs: vale conhecer as iniciativas por trás do Rappi;
3) A construção de marcas está cada vez mais pautada na experiência que ela proporciona na vida das pessoas. Como transmitir os diferenciais de experiência do negócio quando você não controla a cadeia (por exemplo, quem está selecionando o mamão para o cliente?);
4) A experiência dos seus clientes e dos shoppers e motoboys das plataformas dentro da loja física merece um cuidado adicional. Cuidado com as filas nos checkouts, as vagas no estacionamento, a harmonia da circulação interna de loja. Alguns varejistas já dedicam um caixa exclusivo aos shoppers de Rappi, iFood e Cia, outros determinam somente algumas lojas para esse tipo de serviço.
Isso tudo não quer dizer que esses apps sejam vilões, ao contrário, são importantes aceleradores para ampliar sua atuação no mercado online. Porém, com a ressalva de que não sejam trabalhados como seu canal único e principalmente a longo prazo. Vale uma estratégia clara e equilibrada do seu ecossistema próprio e terceiro, e daquilo que você quer terceirizar ou não.
Em tempos de “tudo o que quiser em minutos”, é fundamental preservar e potencializar aquilo que as empresas têm de mais importante: sua base de clientes e sua experiência de marca.
Artigo publicado originalmente no E-commerce Brasil.